Experiência

Há algum tempo, tenho me colocado a mesma questão: o que é ser professor? O que quer que de fato seja, compreendo, assim como  Marcos Villela Pereira, um professor da Universidade Federal de Pelotas, com o qual tive contato através de um texto que pensa a "professoralidade", e cujas ideias comungo cada vez mais, que somos sujeitos prenhes de devires, sujeitos potência e, portanto, ao contrário de  indagar-se "o que sou" ou "como sou o que sou", o movimento na busca da professoralidade conduz a questões da ordem  de como e por quê tenho sido o que tenho sido. É deixar a construção no presente do indicativo - eu sou - e partir para o particípio e/ou gerúndio, tenho sido, estou sendo.


Uma mudança aparentemente inofensiva num jogo de palavras, mas que acaba por nos fazer cogitar a possibilidade de aceitar um convite por demais interessante, que é feito por um outro pensador cujas ideias e sua pedagogia profana tenho grande apreço, Jorge Larrosa Bodía:
"(...) talvez seja hora de tentar trabalhar no campo pedagógico pensando e escrevenbdo de uma forma que se pretende indisciplinada, insegura e imprópria."


Tenho aceitado este convite, cada dia mais. Tenho procurado vencer o medo de errar para encarar o erro como um espaço/tempo de ricas aprendizagens, onde o novo se cria. Tenho buscado sair da arrogância das certezas para o rico universo dos devires imprevisíveis, das dúvidas, da flexibilidade, do amor pelo desconhecido. Como diz Regina Garcia, somos convidados em Larrosa e em tantos outros a ter coragem de sair das grandes estradas retas, claras, já mapeadas antes de serem construídas, para adentrarmos por atalhos labirínticos onde não se pode ver antecipadamente onde nos levam e onde a única bússola é a busca permanente e obstinada. O que nos resta é termos a coragem de nos arriscar, de experienciar.


Experiência é, não o que se passa, não o que acontece, mas o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Como reflete Walter Benjamin, o que, entre outras coisas, tem caracterizado o nosso mundo é a pobreza de experiências. Nunca se passaram tantas coisas, sendo a experiência é cada vez mais rara. Larrosa, evocando o filósofo Heidegger,  diz  que "a cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça." A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta.


Tanto nas línguas germânicas como nas latinas, a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo. É novamente, recorrendo a Jorge Larrosa que penso que na nossa prática profissional, a professoralidade, o perigo maior que encontrarmos reside em nós mesmos, na nossa forma de encarar e consequentemente agir, da nossa incapacidade de experimentar. Larrosa diz:
"Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a “proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre."


Sem ter a intenção de colocar um ponto final naquilo que vem me instigando a pensar - a minha prática profissional - cabe dizer que estas embarcações nas quais tenho tomado carona, vez em quando, e que em certa medida tem a explicação de "como e por quê tenho sido o que tenho sido" tem me conduzido a lugares e me proporcinado encontros, que me mostra e me ensina um tanto de coisas, que não me permite esquecer da rica complexidade que me cerca e que também está "cá" dentro de mim.


Wal

Um comentário:

  1. "a pessoa nasce para o que é".

    Isso não quer dizer que será fácil, ou que não tenha que passar pelo processo de descoberta e apropriação, muito menos deixar de experienciar o que lhe é devido. Porém, aquilo que a move e dá sentido acaba encontrando cores, sons, aromas e sabores nesse caminhar, únicos pela ligação que se tem com o próprio caminho.

    boa caminhada, prof! :]

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