“Manari, pra nunca mais esquecer” é um filme pitoresco. Nostálgico e feliz. Ronda a história de uma cidadezinha pequena do interior de Pernambuco que em 2000 sofreu um baque. Num ranking de dados da Organização das Nações Unidas, a cidade ocupou a última posição em qualidade de vida no país, com IDH de 0,478. A partir desse quadro, a jornalista Valéria Fagundes, moradora da cidade na época, percebeu que “talvez o que é essencial para o povo de Manari não era importante para a ONU”.
Valéria uniu a arte com a proposta de questionar. O IDH era o mais baixo, mas a população ainda assim mantinha viva a esperança na cidade, e além de tudo sua felicidade em ali residir. Quando o município foi apontado por tabelas como o pior para se viver no Brasil (atualmente a cidade está 12 posições melhores e teve um avanço educacional de 140% nos últimos dez anos), os moradores não concordaram não. É bom de se viver em Manari. Como mostra o filme, os casais sorriem ao som da Mazuca, uma dança folclórica da região derivada da Mazurca europeia. Tem futebol, praça e feira de agricultura. E tem muita gente e muita história para mostrar que além de dados existe o sentimento de pertencimento.
A revista o Viés entrevistou Valéria Fagundes, idealizadora e diretora do documentário. “A ideia de produzir esse filme partiu justamente do desejo de mostrar o outro lado da história que a ONU e a mídia não mostraram. Quis resgatar um pouco da alegria que nos foi roubada com a repercussão das pesquisas. Depois da exibição [ocorrida na cidade, para os moradores] tive certeza que esse objetivo foi alcançado”, resume Valeria sobre a intenção de filmar a vida do sertanejo. Aos 15, Valéria liderou o Fórum Social Municipal da Juventude de Manari. Já esteve do outro lado da câmera sendo personagem do documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, do diretor João Jardim. “Manari, pra nunca mais esquecer”, foi financiado com recursos da Fundação do Patrimônio Histórico e Cultural de Pernambuco – FUNDARPE e deve ser reproduzido, ainda sem data marcada, na TV Universitária do Recife. Para o público em geral, resta aguardar.
“Todo mundo que assistiu gostou e pela primeira vez o povo sentiu orgulho de ver sua história contada através de uma perspectiva histórica , política , cultural e social”

Valéria Fagundes (VF): A ideia inicial era produzir um curta metragem e na verdade a verba que conseguimos mal dava para fazer um filme de 20 e poucos minutos. Mas quando iniciei o processo de pesquisa percebi que a história da cidade e do povo era muito maior do que eu havia imaginado. Então o roteiro ganhou mais dimensão e as poucos a narrativa foi ganhando vida. Houve uma preocupação de contar a história da cidade desde o surgimento até os dias atuais, todavia, as sequências foram pensadas e organizadas dessa forma.

(VF): Eu conheço praticamente todas os moradores da cidade e desde criança sempre gostei de ouvir histórias e conversar com pessoas idosas, então foi fácil identificar os personagens e foi fácil também encontrá-los, já que todos moram/moravam na área urbana ou rural, e a cidade é pequena.

(VF): A equipe era pequena: Eu e meu amigo Pedro Luna estivemos à frente de todo o processo de produção e finalização, além de Flávio Gusmão, que fez a direção de fotografia , Luara Dal Chiavon e Lucas Caminha, que fizeram o som direto, e Walter Klecius, que nos ajudou na montagem.

(VF): Acho que nós não tínhamos dimensão de que Manari passaria a ser conhecida nacionalmente. Há dez anos a cidade sequer existia no mapa e era só mais um entre tantos brasis esquecidos e jogados a própria sorte. Não dava pra imaginar que nossa história viria a servir como comparativo e principalmente como espelho. Ora refletíamos o descaso de um país que negava ao seu povo condições humanas de sobrevivência e depois passamos a refletir as mudanças sociais e econômicas que mudaram o destinos de muitos brasileiros .Hoje em dia, nós representamos uma parcela da população que saiu da extrema pobreza e entendeu que a comida no prato é necessária, a comida de qualidade na mesa é essencial . Mas é preciso também saciar a fome de justiça e a sede de dignidade humana. Manari representa um recorte da sociedade que passou a ser vista pelo governo e pelas instituições não governamentais e que aos poucos , está modificando a realidade e ajudando a escrever uma nova história.

(VF): Acredito que hoje em dia as pessoas são mais envolvidas com as questões sociais do município, os jovens são mais atuantes, as crianças frequentam a escola mesmo que seja por uma imposição do Bolsa Família, os professores são graduados e pós graduados.

(VF): Eu acredito nas coisas que eu vivi, nas histórias que escutei e na verdade de cada um. Se os moradores que eu entrevistei disseram que gostam de morar na cidade eu não tenho direito de dizer que a cidade é ruim.Se eles decidiram continuar morando lá, apesar das dificuldades, deve existir algo muito especial que as pesquisas não conseguem mostrar.Acho que o filme traz um pouco desse universo particular, um pouco desse orgulho de ser sertanejo e de aprender a conviver com pouco dinheiro e muita solidariedade . Talvez o que é essencial para o povo de Manari não é importante para a ONU.